Edição #1 Uma insônia, um lápis e um caderno
Sobre a noite que eu perdi o sono e desatei a escrever
Perdi o sono e fiquei sem saber se insistia ou se saía de mansinho da cama. Olho para você que dorme de um jeito muito confortável, tão livre que sinto inveja. O sono é a parte mais vulnerável do dia e talvez seja por isso mesmo que quando a gente dorme, acaba ficando mais próximo da nossa forma mais primitiva.
Estou às voltas há algumas semanas com um problema técnico em um projeto importante que quero lançar e parece que a cada dia eu fico mais distante de resolver. Tá aí o dono e proprietário da minha insônia, não é muito difícil de concluir. Fico paralisada. Se eu levantar agora, será que você acorda? É tão bonito te ver assim tão entregue ao seu próprio mundo, sem nenhuma interferência desse lado de cá, que fico com receio até de me mexer, mas estou inquieta demais e de alguma maneira vou acabar atrapalhando o seu sono. Faz poucos minutos que você adormeceu.
Quero escrever sobre isso. Penso. Vai! Levanta, pega o caderno, tem uma crônica aí. Insisti. Levanta! Não desista agora, tem alguma coisa se formando, e amanhã, você não vai mais lembrar do que queria escrever. Levantei, peguei o caderno. Já faz um tempo que meu lápis não corre pelo papel, como se estivesse patinando em uma pista de gelo. Inspiração é repetição, eu preciso me lembrar o tempo todo. Mas deixar fluir e abrir espaço para criar tem sido difícil nos últimos tempos e escrever qualquer coisa tem me deixado febril, exausta e enjoada. É essa febre que me lembra sempre que estou viva e vivendo para escrever.
Tá calor e o sono? Não sei. O silêncio e o escuro dessa engrenagem que parou para o descanso me mantêm em alerta, longe da cama e ainda mais perto do caderno. Se eu não fizer, quem vai? Eu posso acender a luminária que fica aqui do lado e deitar quietinha para escrever deitada mesmo, apoiada nos meus cotovelos. Penso. Você tem o sono pesado, talvez nem perceba nada, então volto na ponta dos pés e delicadamente vou me acomodando. Agora, continuamos nós duas: eu e essa mente agitada.
Na minha barriga parece se formar uma tempestade, e ela, quando vem, costuma invadir o meu corpo todo, chegando a espremer o meu coração, revirando meu estômago, mexendo em tudo aqui dentro, mas é esse lápis o meu ansiolítico. É mais saudável e não sobrecarrega o meu fígado (ou seriam os rins?).
Começou a fazer efeito, esse negócio de escrever. As minhas pálpebras estão ficando pesadas e os olhos ardendo um pouco. Fico assim quando escrevo sem os meus óculos, e com baixa iluminação então, já era para essa míope aqui. Bebi água e fiz xixi. Recomecei todo o ritual para tentar dormir e você segue nessa sua paz inabalável. Agora, mesmo que eu dance em cima da cama, você já chegou naquele ponto de profundidade que eu nem consigo competir. Barulho mesmo, só o da motinha das madrugadas do segurança da rua. A gente paga a ele? Acho que não. Nesse caso, ele deve passar direto, nem olha para essas bandas. Fica só o barulho do motor, misturado às buzinas. Me entrego. Agora vai!
[13.03.2022]
[Diário de escrita]:
Quando eu comecei a planejar essa newsletter, organizei o cronograma para que a publicação pudesse ser quinzenal e assim, eu poderia ter mais tempo entre todas as outras publicações que eu lanço aqui na rede. Decidi dividir com você também aqui na newsletter o meu diário de escrita, para que você possa acompanhar um pouco dos bastidores das ideias que dão certo, daquelas que eu mudo no meio do caminho, e as outras tantas que eu rasgo e jogo fora.
Eu quero muito que você esteja comigo nessa jornada de tentativas e erros, de descobertas, pesquisas e criação. Para começar, estruturei a newsletter dessa maneira que você está recebendo, com a intenção de falar sobre assuntos diversos e que não ficasse cansativo para quem está lendo. O texto principal, aquele primeiro que você leu lá em cima, poderá ser uma crônica, uma história fictícia, uma curiosidade. Vou recomendar livros, filmes, músicas e tudo mais que puder servir de alívio para este mundo contemporâneo e imparável que a gente vive.
Olha, eu tenho tanta coisa para dividir que essa publicação servirá como um laboratório de ideias e histórias que estará se tornando público a cada edição.
No diário de escrita eu vou falar também dos vazios de ideias que vez ou outra surgem do nada e lutam para permanecer, mas eu sou teimosa e coloco logo a falta de inspiração para rodar. Escrever é exercício e insistência (já falei!) e nem todos os dias as dinâmicas da vida ajudam. O meu diário no caderno que o diga, eu vou e volto de um jeito elástico, porque nem sempre consigo manter a constância, mas sigo tentando mesmo assim. E agora, você participará comigo deste processo.
[O livro da vez]:
Já faz um tempo que eu venho me dedicando muito mais a ler livros escritos por mulheres, sobretudo autoras vivas e contemporâneas, e isso tá me fazendo um bem danado.
Na semana passada, eu li “Primeiro eu tive que morrer” da autora cearense Lorena Portela e depois que terminei a leitura, fiquei alguns minutos engolindo cada palavra que eu havia acabado de ler. O livro te prende do início ao fim, principalmente porque tem como cenário o paraíso de Jericoacoara (isso ajuda muito rsrs). Recomendo demais a leitura!
Agora, eu estou terminando a leitura de um livro imensamente potente e necessário, que é o “Flor de gume”, de Monique Malcher, autora paraense. Eu encho a boca para falar e os dedos para digitar que ele foi vencedor do Prêmio Jabuti na categoria contos e isso é tão lindo, tão simbólico! Um livro de uma mulher sobre outras mulheres. Mães, avós, filhas, histórias de infância, amores perdidos, amores sofridos, a falta deles também. Uma prosa poética delicada e ao mesmo tempo afiada sobre as camadas da vida que nós mulheres precisamos ir descobrindo até chegar ao nosso próprio centro. Estou lendo Flor de gume aos pouquinhos, como quem degusta um vinho raro, de safra especial. Acho que não apenas mulheres, mas todas as pessoas deveriam ter acesso a essa leitura, porque ela é como um tratado sobre as histórias de todas as mulheres, não importa de onde elas venham. São dores sempre muito iguais e doem quase sempre nos mesmos lugares.
A Thaís do blog “Thaís escreve” publicou uma resenha linda sobre o Flor de Gume aqui.
UM SORRISO QUE ATRAVESSA O ASFALTO
“Vou correndo em câmera lenta. As pernas agora com uma nova espécie de câimbra que nunca tinha afetado antes. Cada pernada um envelhecimento instantâneo, até chegar perto tinha saltado dos vinte e dois para os oitenta anos, rompendo a barreira do tempo e da lógica. Não sei se corro certo, só sei que me jogo com toda força, te abraço enfurecida de susto, enlouquecida talvez. Vazia, ouvindo o eco da tua e da minha dor”. Página 91
[Para assistir]:
Eu não tenho uma queda pelas obras de Elena Ferrante, eu tenho um verdadeiro atropelamento. E a tetralogia “A amiga genial” é simplesmente a melhor leitura que eu já fiz na minha vida! Não canso de repetir que comi cada página daqueles livros em um intervalo muito curto de dias, porque eu não conseguia fazer mais nada além de querer saber a história inteira daquelas duas amigas, Lenu e Lila, durante os mais de sessenta anos de vida que se passam nos quatro livros.
Postei uma resenha sobre A amiga genial no blog, se quiser saber mais, dá uma conferida aqui.
E agora, além dos livros, essa história ganhou uma série muitíssimo merecida, com uma produção belíssima e absurdamente fiel aos livros. Deixo aqui essa recomendação muito apaixonada de “A amiga genial”, uma história que me deixa arrepiada a cada capítulo e, agora, a cada episódio.
Este é o Instagram oficial da série: “My brilliant friends”. Nele, tem fotos e vídeos das cenas, dos atores, e um monte de curiosidades sobre a obra.
A amiga genial está disponível na HBO, já com a 3ª temporada, que foi lançada em fevereiro deste ano. Vale a pena assistir!
[Ouvi enquanto escrevia]:
Estou em uma fase muito apaixonadinha pela Liniker e coloquei uma playlist dela para tocar no Spotify que ficou rolando e repetindo até não poder mais. Você já assistiu aos clipes do álbum “Indigo borboleta anil”? Vê aqui que coisa linda, só pra sentir a força dessa voz e ainda se admirar um bocado com as imagens, a composição das cores, a beleza de Liniker, e abraçar a letra como se ela tivesse sido feita para cada pessoa que ouve.
[Um trecho]:
“Era um louro depenado e maníaco, que não falava quando lhe pediam e sim quando menos se esperava, mas então o fazia com uma clareza e um uso de razão que não eram muito comuns nos seres-humanos. Tinha sido amestrado pelo doutor José Urbino em pessoa, o que lhe valera privilégios que ninguém jamais teve na família, nem mesmo os filhos quando eram pequenos.
Estava na casa há mais de vinte anos e ninguém sabia quantos teria vivido antes. Todas as tardes, depois da sesta, o doutor Urbino se sentava com ele na varanda do quintal, que era o lugar mais fresco da casa e tinha apelado para os recursos mais árduos de sua paixão pedagógica até que o louro aprendeu a falar francês feito um acadêmico. Depois, por puro vício da virtude, ensinou-lhe o acompanhamento da missa em latim e alguns trechos escolhidos do Evangelho segundo São Mateus (...) tinha feito o louro ouvir as canções de Yvette Gilbert e Aristide Bruant, até que as decorou (...)” Página 31.
O amor nos tempos do cólera - Gabriel Garcia Marquez
Eu fiquei doidinha por esse louro intelectual, parece ter sido mesmo uma figura ilustre!
[Sobre o podcast]:
Lembra que lá no início da newsletter, na crônica, eu falei que estava travada em um projeto porque me deparei com alguns problemas técnicos? Era sobre o podcast que eu estava falando. Depois de quase enlouquecer, sem entender o que poderia estar acontecendo e porque ele não subia para o Spotify, finalmente tudo foi resolvido e toda a preocupação se dissipou.
O Ensaiando Palavras Podcast já está no mundo e, pelos retornos que tive até agora, o bichinho tá sendo muito bem recebido. O primeiro episódio fala sobre um tema que gerando muita identificação: “Quando o medo me paralisa”. Nele, eu divido com quem me ouve a minha experiência com o medo e a insegurança, que me deixou travada por muito tempo, sem conseguir colocar no mundo os projetos que eu tanto planejei. Vale para a concretização do podcast e também para essa newsletter que você está recebendo.
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