#5 parte dois do "experimentando histórias ficcionais"
não tenho um título para este texto, quer me ajudar?
Veja aqui a primeira parte do texto:
Nada parecia fazer sentido ali naquele lugar e eu me perguntava o tempo todo como tinha ido parar num quarto desconhecido, com uma sensação esquisita como se fosse de ressaca e sentindo todos os meus músculos doerem de uma vez só. Ainda esfregando o rosto com o lençol, como se aquela ação pudesse me ajudar a desvendar tudo o que estava me confundindo, fui me sentando na cama, pouco a pouco encostando nos travesseiros, como em câmera lenta. Olhei mais uma vez para a janela, e, embora ainda chovesse, eu não conseguia mais escutar o barulho das ondas do mar e estava me sentindo pesada demais para ir até a janela. O mar não poderia ter sumido em questão de minutos, claro. Semicerrei os olhos para diminuir a miopia e ainda assim era quase impossível adivinhar o que existia lá fora, ao mesmo tempo que ouvir o barulho da chuva me tranquilizava de um jeito inexplicável.
Esqueci um pouco do mar já que não conseguia mais ouvi-lo e me deixei adormecer por algum tempo. Não tinha condição alguma de saber quanto tempo havia se passado, estava fraca demais para reagir a qualquer coisa que me inquietasse naquele momento. O cansaço era maior do que a fome que era do tamanho do medo que eu estava sentindo ali, num lugar desconhecido, em confusão mental e completamente sozinha.
Já estava escurecendo lá fora quando abri os meus olhos novamente. Levantei assustada e ofegante. Como era possível que alguém tivesse entrado no quarto e mudado tudo o que existia ali? Não vi mais os quadros na parede, os lençóis não cheiravam mais à maresia e por mais que eu revirasse cada parte do tecido, só sentia um odor suave de alvejante. Olhei ao redor e não havia nada da decoração de antes. Nada de quadrinho com desenhos náuticos, nem de listras azuis, nenhum barulho de mar. O clima se modificou totalmente dentro do quarto e lá fora também, não chovia mais e o silêncio, que ocupava todos os espaços possíveis ali, era maior do que tudo o que eu conseguia enxergar pela janela, que agora tinha grades de ferro no lugar da vista da rebentação que pensei ter visto mais cedo. Aquele quarto estava estéril, tácito, era como se eu estivesse completamente sozinha no mundo inteiro, mas não sentia mais medo. Apesar da chuva ter cessado, eu ainda sentia frio, um frio que ressecava minha garganta e os meus lábios, e precisei tomar um pouco da água que estava na mesinha ao lado da minha cama, que agora era branca, fria, de ferro.
Com dificuldade de me locomover e ainda atordoada, andei cambaleante até a porta branca com a tinta descascando que ficava de frente para a cama, tentei abrir mas estava trancada e não forcei o trinco nem me sentia forte o suficiente para gritar por alguém. Meu corpo não doía mais, mas minha cabeça ainda latejava um pouco. Menos que antes, pelo menos. Encostada na porta, olhei de um lado para outro, avistando do lado direito, em uma brecha na porta do banheiro, azulejos azul claro com branco e uma iluminação fraca, quase se apagando, e do outro lado a janela que me mostrava a imagem do céu cinza, talvez de um fim de tarde nublado. Tudo ali parecia absolutamente familiar e eu já não sentia medo. Apesar de não perceber mais nada do clima da praia de horas antes, eu poderia sentir um oceano inteiro dentro de mim.
(este texto faz parte de uma série de textos de caráter ficcional que estou produzindo e serão compartilhados exclusivamente com os leitores desta newsletter).
[Diário de escrita]:
Algumas pausas são, não apenas necessárias, como carregam em si uma certa urgência. Aqui estou eu, mais uma vez, retornando de um inverno longo com a tal da minha escrita, essa coisa viva e frágil, como um filhote de passarinho que caiu do ninho. Mais uma vez, compartilhando com você que não há linearidade em nenhum setor da nossa vida e a cada dia me convencendo mais disso, transformando toda a montanha de autocobrança em apenas um montinho de areia da praia que eu gosto de frequentar. Estou aqui de novo, despida de qualquer exemplo de produtividade e alta performance porque já assumi que não é isso que eu desejo para o caminho profissional que estou trilhando. Me sinto feliz com isso (somente agora percebi que o processo criativo tem a sua forma particular de se costurar em mim) e parece que pensar assim já reflete na minha palavra. Não desista de mim, espero que a gente tenha muito mais encontros por aqui, a partir de agora. E que todo mundo possa ter o direito às pausas necessárias e urgentes.
Ah! Quase ia me esquecendo, saiu uma entrevista tão linda comigo lá na Revista Alagoana, conduzida pela minha xará, Nathalia Bezerra, que eu tô toda orgulhosa compartilhando com quem acompanha o Ensaiando Palavras. Falo sobre ela aqui, porque lá, eu e Nath conversamos sobre tudo o que me conduz até a escrita. O que me paralisa, o que dói e o que me transforma. Eu tô lendo a danada quase todo dia, que é pra eu não esquecer de mim. Espero que ela seja poesia pra você também.
[O livro da vez]:
Ler poesia contemporânea tem sido uma experiência deliciosa para mim e eu não poderia deixar de trazer essa indicação para você sentir o mesmo também. Descobri Matilde Campilho há alguns meses, enquanto passeava pela internet.
“Era capaz de atravessar a cidade em bicicleta só para te ver dançar.
E isso
diz muito sobre a minha caixa torácica”.
Foi com este pequeno poema que Matilde ganhou meu coração e eu comprei seu livro, Jóquei, quase que imediatamente. Sua palavra é cotidiana, fala das coisas simples, nos traduzindo a linguagem da vida com um certo espanto por tudo o que observa. Este livro está grudado em mim há semanas. Recomendo esse passeio para você também.
[Para assistir]:
Assistir “O acontecimento” não é para todo mundo. Ainda não li o livro de Annie Ernaux, que tem o mesmo título sobre o qual o filme foi baseado e que já está na minha lista faz um tempo, mas a HBO lançou o filme há poucos dias e eu resolvi assistir antes de ler o livro. Estou buscando o ar para respirar até agora. Sobre a história: Anne (inspirada na história de vida da própria autora), é uma jovem universitária que descobre estar grávida de um cara que ela havia ficado, e decide não levar a gravidez adiante. Além disso, ela sempre quis estudar, se tornar professora, era muito jovem e, apesar de reconhecer o esforço dos pais para mantê-la estudando, Anne nunca quis ter o mesmo destino da mãe, uma mulher que dedicou toda a sua vida à família, à casa e ao negócio familiar que eles tinham.
Uma história que se passa na França da década de 60, quando as mulheres ainda lutam por direitos reprodutivos básicos e o aborto é considerado crime. A angústia da personagem é transmitida ao espectador principalmente porque câmera parece estar sempre em primeira pessoa, nos fazendo sentir cada minuto do desespero que a jovem sente ao buscar ajuda e não poder contar com ninguém. As cenas do procedimento e do seu sofrimento durante todo o processo de aborto são extremamente doloridas de assistir, por várias vezes eu me peguei quase contorcida e rígida, como se sentisse a mesma dor daquela jovem mulher. Uma história de 1963, que aconteceu na França, mas não difere muito do nosso Brasil de 2022, que ainda criminaliza mulheres que resolvem ou precisam abortar, e persegue quem luta pelos direitos reprodutivos. Temos muito o que progredir ainda.
Este diálogo dela com o professor me impactou:
- você está doente?
- estou com uma doença que afeta somente as mulheres e as faz se tornarem donas de casa.
[Ouvi enquanto escrevia]:
Já que falei sobre poesia contemporânea ali em cima, quero deixar aqui contigo essa playlist carregada de riqueza poética que a Nath Bezerra (aquela entrevistadora-poeta-que olha o mundo com os olhos de comer fotografia) tem no Youtube. Eu não paro de ouvir, ver, sentir, e voltar para ouvir de novo cada videopoema que ela selecionou ali. Que curadoria, minha xará, você está de parabéns! Somos sortudos por pegar um pouquinho desse teu olhar sensível.
E já que eu tô numa vibe amorzinho com Matilde Campilho, vê aqui o meu mais novo poema favorito, que não sai da minha cabeça e eu necessito ouvi-lo quase todo dia:
[Um trecho]:
“Aparentemente, de vez em quando os adultos têm tempo de sentar e contemplar o desastre que é a vida deles. então se lamentam sem compreender e, como moscas que sempre batem na mesma vidraça, se agitam, sofrem, definham, se deprimem e se interrogam sobre a engrenagem que os levou ali aonde não queriam ir”.
[Sobre o podcast]:
Falei sobre pausas necessárias, né? O podcast passou também por essa suspensão de ideias que eu fui acometida. Nada grave, estamos todos bem (risos nervosos). O último episódio dele foi uma crônica curtinha que parecia não fazer sentido nenhum quando eu a escrevi, mas foi só começar a ler em voz alta e gravar um episódio, que ela pareceu já ter nascido pronta. Sou suspeita, mas foi um dos textos que mais gostei de ler depois de finalizar. Vem cá ouvir, vem!
[Me encontre também]:
:
Ano 1 - (agosto/2022)
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Até a próxima!