#3 O dia que acorda apressado
Levanta sem despertador e por isso mesmo leva algum tempo até despertar de verdade. Pega o celular, acessa as redes sociais, vai ler as primeiras notícias do dia. Se arrepende disso, e como em todos os outros dias, pensa que ler um livro poderia ser a primeira coisa que tinha que fazer no seu dia, prometendo que amanhã vai começar a mudar esse hábito de mexer no celular assim que acorda. Sem fome, demora alguns minutos, às vezes até uma hora para colocar a água no fogo e passar o café. Ouve o silêncio começar a ser quebrado pelo dia que nasceu há poucas horas, e os passarinhos do vizinho, junto com aqueles outros que estão pelo céu só de passagem, começam a se comunicar uns com os outros, como se estivessem avisando “ainda estou aqui” e tudo parece fazer sentido, porque “estar aqui” é a maneira mais consciente de mostrar que se está presente na vida. A água ferve, ela não sabe se faz omelete, tapioca ou torradas. Lembra dos potinhos de arroz e feijão que precisa tirar do congelador para que consiga descongelar a tempo de servir o almoço ao meio-dia em ponto, pois a criança tem horário exato para sair pra escola com o transporte escolar. Enquanto o omelete está dourando na panela (foi omelete mesmo que ela escolheu), abre a geladeira, tentando ver o que dá para salvar dos vegetais. Por que ficam passados tão rápido? Salada crua ou refogada? Fazer uns legumes temperados no forno pode combinar melhor com o frango grelhado. Tem batata ainda, mas aquele pedaço de abóbora daqui a pouco vai ficar imprestável. Ok. Purê de abóbora e batatas gratinadas. Vira o omelete na panela (ou seria A omelete? Google, pesquisar: “O Aurélio registra A OMELETE. O dicionário Houaiss e o Vocabulário Ortográfico da ABL consideram OMELETE um substantivo de dois gêneros: O OMELETE e A OMELETE”). Passa o café, coloca o açúcar na mesa, tem mamão bem maduro, banana e maçã, lembra da frigideira, corre para apagar o fogo, quase queimou, deu tempo de tirar, ainda bem! Liga a tevê, tá passando o jornal local. Repórter na rua, moradores denunciando falta de água, buracos nas ruas que provocam acidentes. O Secretário de saúde dá entrevista, fala de pontos de vacinação, reforça os cuidados com a covid, a câmera volta para o estúdio, vai ter exposição de fotos, feira de livros, oficinas culturais. A apresentadora fala de um crime político não solucionado, uma operação policial contra empresas de fachada e dos resultados do futebol da noite anterior. Ela coloca os pratos na mesa. Copo, água, granola, escolheu o mamão para comer no café da manhã de hoje. Traz as canecas com café fumegante, o omelete com o queijo derretido, olha para o remédio para hipertensão que deve tomar todos os dias e que já fica no cantinho da mesa encostada na parede, para não ter risco de esquecimento. A criança ainda dorme, o marido chega da corrida matinal, ela diz que de hoje não passa para recomeçar as aulas online de ioga. O café vai esfriar. É só um banho rápido, já volto. Sentam para comer, acaba um jornal e começa o outro. Dessa vez as notícias vêm com mais força. Esse país tá desmoronando. Desliga a televisão, nada novo de novo. Liga a vitrola, moderna que é, coloca a playlist pra rolar pelo bluetooth. Vamo acordar, vamo acordar! O dia nasceu, muito sol e meio mundo de coisas a fazer. Banho, dobra os lençóis, forra a cama, liga o computador. Como a água do café, o dia já ferve e o teclado já tá lá esperando.
[Diário de escrita]:
Compartilhar as dores também faz parte desse processo de aproximação entre nós: eu e você que me lê. Os últimos 15 dias foram difíceis de concentração e produção por aqui, viu? Nem sempre a gente consegue e tudo bem também (preciso insistir sempre que está tudo bem, para não ficar me rasgando de cobranças e prolongar ainda mais a agonia da não-escrita). Apesar disso, meu diário segue em dia. Não todos os dias, mas bem abastecido dos desabafos e planos. Saiu coluna nova na Folha de Alagoas, o episódio do podcast e mais uma excelente novidade: voltarei a publicar resenhas no instagram da minha parceira Florita Urbana. Já tem alguns livros resenhados por lá, dá uma olhada para ver se se anima para alguma leitura nesse feriadão. Comecei a colocar no papel algumas ideias para o livro que estou começando a escrever e fiquei mais empolgada ainda porque as oficinas que estou fazendo estão me ajudando muito na produção deste projeto. Ainda nem falei muito sobre isso pra outras pessoas, ou seja, esse spoiler é uma exclusividade para os meus leitores da newsletter. Acho chique isso: “meus leitores da newsletter”. Tô feliz porque essa comunidade tá crescendo. Compartilha com teus amigos? Vou adorar ver o Ensaiando Palavras espalhado por aí.
[O livro da vez]:
“O Parque das Irmãs magníficas” carrega, com muita sensibilidade, um relato direto e aberto de autoficção da autora Camila Sosa Villada, que traz luz à vida das travestis, sendo uma forma de resistência que Camila encontrou para desaguar todas as adversidades que sua existência lhe confere. Já faz alguns meses que comecei a ver o quanto as pessoas estavam gostando desse livro e comentando e postando sobre ele, fazendo o meu interesse só aumentar. Coloquei “O Parque das Irmãs magníficas” na minha lista e já estava com muita vontade de ler, quando ele caiu perfeitamente nesses dias de feriado da Semana Santa. Leitura rápida, gostosa e eu já estou completamente apaixonada.
Olha esse trechinho do prefácio:
“Aos quatro anos, quando Camila Sosa Villada ainda era Cristian Omar, aprendeu a escrever seu nome completo, mas se negava a fazer xixi em pé. Seu pai passou do orgulho à fúria e lhe ofereceu, ali mesmo, um panorama instantâneo do que teria que enfrentar pelo resto da vida se não se dobrasse ao mando paterno, ao mando cultural: vergonha, medo, intolerância, desprezo e incompreensão. A futura Camila não se dobrou, e começaram os castigos, as horas trancada em seu quarto, o extraordinário processo que se iniciou ali dentro. “Meu pai e minha mãe sempre souberam o que eu fazia no confinamento: escrevia e me vestia de mulher. Isso os expulsou do meu mundo e me salvou do seu ódio: meu romance comigo mesma, a minha mulher proibida”.
*Leia a sinopse aqui.
[Para assistir]:
Se tem um assunto que eu amo ver em séries e filmes, é: amor e, consequentemente, relacionamentos. E “Love life” trata exatamente disso: o vai e vem do amor na nossa vida contemporânea. Não apenas sobre relacionamentos amorosos, “Love life” nos mostra, camada a camada, como cada relação humana pode ser construída, cuidada, perdida e reconquistada. São duas temporadas deliciosas de assistir, proporcionando um climinha perfeito para este feriadão. A cada desencontro, um novo encontro, a cada desilusão, uma nova chance de se descobrir feliz e completo. Todas as histórias que se cruzam, em cada episódio da série, nos mostram que a vida está em constante movimento e que o tempo está sempre levando e trazendo todas as respostas que a gente precisa. No final, meus amigos, é o amor que a gente dá e recebe que sempre faz tudo valer a pena.
“Love life” tá na HBO e eu separei o trailer da 1ª temporada para você conferir:
[Ouvi enquanto escrevia]:
Se tem uma música que me acalma quando eu estou vivendo esses momentos de bloqueio criativo e ansiedade por não saber para onde estou indo (tantas vezes isso acontece) é Tempo rei, de Gilberto Gil. E nos últimos dias eu precisei muito dessa música. Ela é como um mantra para mim, porque já começa mostrando que o tempo, apesar de fazer permanecer tudo o que tem sido, transcorre e navega em todos os sentidos. Gil acalma de todas as formas, em todas as suas músicas, mas “Tempo rei” bate de um jeito sensível e apaziguador na alma.
Uma semana atrás, no dia 08 de abril, ele estava tomando posse na cadeira 20 da Academia Brasileira de Letras. É uma honra poder viver na mesma época de um artista genial como Gilberto Gil.
Fica com esse mantra você também:
“Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, ó, pai, o que eu ainda não sei
Mãe Senhora do Perpétuo, socorrei”.
Aproveite o feriadão com amor e bons sentimentos.
[Um trecho]:
“Tudo passa, você vai ver, tudo passa. Ela tinha razão. A vida dá um jeito de manter a gente vivo mesmo quando a gente morre de dor”.
[Sobre o podcast]:
Este é o episódio mais recente do podcast. A crônica da edição passada da newsletter ganhou uma versão para o podcast que eu adorei! Então, se você quiser ouvir mais sobre os detalhes da vida, que fazem parte do que realmente importa enquanto o tempo está passando, vai ouvir o episódio e depois me fala o que achou.
São gostosos refrescos para a vida, que pede sempre pequenas pausas. Eu vou amar saber sua opinião.
[Me encontre também]:
Ano 1 - (Abril/2022)
Entre em contato, se quiser conversar mais sobre os assuntos desta publicação.
Até a próxima!
Beijos, Nat <3