Em algum lugar desse mundo, neste exato momento, tem alguém pensando “minha vida não está acontecendo”. Tem também alguém deitado no meio da sala, num apartamento quase vazio, depois de uma separação que doeu, ouvindo Rita Lee tocar na vitrola “Menino bonito” e pensando em tudo o que pode ser agora que não tem mais o relacionamento que parecia ser tão certo e para sempre “depois ir embora… ah ah! Seeem di-zer o porquê”. Em outro lugar, numa cidadezinha do interior, alguém está chorando a morte da avó, seguindo o cortejo das velhinhas da igreja que a avó frequentava e lembrando de todas as férias, dos natais e das comidas que só tinham naquela casa, que agora ficará vazia e silenciosa, repleta das fotos de família que enfeitam aquelas paredes.
Ali na esquina, dois desconhecidos se cruzam sem fazer ideia de que um acabou de ser contratado e está pensando em preparar um jantar para comemorar com os pais, enquanto o outro segue concentrado em seus próprios pensamentos, cheio de dúvidas se deve mesmo suportar mais um mês de um trabalho que o deixa triste e limitado diariamente. Uma criança da quinta série está sentada, neste minuto, tentando resolver uma questão de raiz quadrada, porque esse assunto vai cair na prova amanhã, enquanto sua mãe está fazendo o almoço, contando o tempo de apagar o fogo da panela de pressão que já começou a chiar e o cheiro de feijão incensou a casa inteira, deixando todo mundo com fome antes da hora.
A vida é o que está acontecendo, minuto a minuto. Ela é mesmo muito cheia de clichês e de rotinas, e tem sempre uma música de fundo para contextualizar as coisas e dar um ar de cena de filme para quem ousa imaginar as tais cenas. Ela acontece nos pequenos momentos. Naqueles espaços de tempo em que a gente esquece de prestar atenção porque o corriqueiro vai e vem tantas vezes que até já perdeu a graça da novidade. A rotina é quase sempre sem graça, concordo, mas ela tem suas belezas se a gente quiser perceber. A vida está acontecendo quando a gente sente o cheiro do frango assando no forno ou o cheiro do desinfetante de lavanda que fica no ar, quando a gente termina de fazer aquela faxina e, mesmo cansado, tem a impressão de que todas as pendências foram reparadas, porque casa limpa deixa mesmo essa sensação de que está tudo resolvido. Tem amor em cada detalhe e o amor é como uma cama que teve os lençóis trocados por outros, limpos e cheirosos, e a gente deita quando tudo parece desacelerar.
Tudo costuma acontecer nos menores intervalos de tempo, mesmo que o imperfeito nos engane e que nos faça acreditar que só se vive a partir de grandes epifanias. A gente se prepara sempre para uma tsunami, mas o bom mesmo é ver que no final tudo não passou de uma marolinha.
Não deixe o mar te engolir.
[29/03/2022]
[Diário de escrita]:
Cá estou mais uma vez, tentando organizar todas as palavras que utilizei nos últimos quinze dias, desde que lancei a edição passada. Teve produção e publicação de crônica aqui na Folha de Alagoas, poema no Instagram - foi o dia da poesia no último dia 21 de março e eu dei a minha contribuição como homenagem. Liberei também episódios novos no podcast aqui e aqui. Além do que já está publicado, eu tô cheinha de textos ainda em processo de criação e muitas, muitas ideias para compartilhar com você.
Essa última semana foi especialmente complicada e eu travei um pouco mais para criar e me inspirar, mas sigo firme aqui, insistindo mesmo porque nem todo dia a cabeça tá disposta ajudar rsrs
A ideia de produção dessa semana foi a seguinte: as publicações partirão de um único texto. Estou trabalhando em várias versões para que ele possa se encaixar em todos os meus canais de publicação e um vai completando o outro a cada espaço que você visitar. Será que vai dar certo? Não sei, mas vou tentar. Essa mesma crônica que você leu ali em cima, tem uma versão menor no Instagram. O texto terá mais detalhes no próximo episódio do podcast e talvez se transforme em um poema para ser publicado aqui no Scriv.
Escrevi esses dias que tudo no Ensaiando Palavras é um processo. Tudo é experimentação, tentativas, erros e acertos e eu sigo por aqui, desbravando espaços para conseguir me comunicar cada vez melhor com quem me lê.
[O livro da vez]:
No último fim de semana, eu terminei de ler “A cabeça do santo” de Socorro Acioli. Foi uma leitura tão gostosa, que eu nem vi o tempo passar. Socorro foi aluna de Gabriel Garcia Marquez e foi nesta oficina que saíram as primeiras ideias para o livro. Esse vínculo está impresso fortemente nessa história que possui um realismo mágico com elementos contemporâneos, tendo como cenário o interior do Ceará e nos presenteia com uma prosa leve, divertida, uma história muito rica e que vale a pena a leitura.
Samuel é um jovem rapaz descrente da fé e das religiões, mas que precisa obedecer aos últimos desejos da mãe após a sua morte: acender três velas para o Padre Cícero, Santo Antônio e São Francisco, e encontrar sua avó e seu pai, que ele nunca conheceu. Ele então sai de Juazeiro, em uma peregrinação sob o sol escaldante, descalço no asfalto, com seus pés em brasa, sujo, andando sempre em linha reta, durante dezesseis dias em direção a uma cidade no sertão chamada Candeia. Com seus poucos pertences e quase nada de dinheiro, ainda antes de chegar à cidade totalmente desconhecida para ele, Samuel troca o pouco que lhe resta por alguma comida, o que faz com que ele consiga chegar ao seu destino no limite da fome e sede. Sem conhecer ninguém, o jovem busca encontrar o endereço da avó, que está anotado em um papelzinho velho que sua mãe guardou a vida toda e, perguntando de casa em casa e sendo tratado como indigente, Samuel se abriga em uma caverna isolada, que só depois descobre ser a cabeça de Santo Antônio que anos atrás, prestes a ser inaugurada, ficara caída no chão, fora do corpo da estátua do santo e que foi a desgraça da cidade. Depois da sua chegada e enquanto se escondia na cabeça oca de Santo Antônio, Samuel começa a ouvir vozes de mulheres rezando e fazendo promessas ao santo para encontrar o amor e conseguir casamento, e aproveita o dom extraordinário que recebeu, ele nem sabe como, para ganhar dinheiro e tentar encontrar o pai. A cidade, antes quase abandonada por causa da maldição da cabeça do santo que nunca fora colocada no lugar, passa a receber visitantes de todas as regiões para conhecer o mensageiro de Santo Antônio, o que causa uma grande confusão com os poderosos do lugar.
Para não correr risco de spoilers, deixo aqui a minha recomendação de leitura e um trechinho, como aperitivo pra você:
“O fato é que as orações das mulheres reverberavam dentro da cabeça do santo e, por algum motivo, Samuel conseguia ouvir. No dia seguinte ele comeu goiaba, folhas, bebeu água da chuva e percebeu que as orações aconteciam de manhã e à tarde. Nem sempre todas as vozes, nem sempre as mesmas palavras, mantinham-se apenas o pedido: elas amavam e queriam casar.” p. 34
[Para assistir]:
Tá querendo uma série curtinha para maratonar no fim-de-semana? “Guia astrológico para corações partidos” é a pedida certa para a ocasião. É o tipo de produção que a gente dá risadinhas gostosas, se emociona, e torce muito pelos casais que tentam ficar juntos. E, ôôôô seriezinha pra ter gente bonita, viu? Parece que escolheram os atores mais bonitos da Itália. Na história, Alice trabalha em uma emissora de televisão e cria um programa, tipo reality show, em que as pessoas buscam seus pares românticos guiadas pelos astros do zodíaco e são os signos que ajudam a formar os casais. Ela e seu amigo, guru astrológico e apresentador, Tio, se tornam cada vez mais próximos e Tio faz um mapa-astral para ajudar Alice a superar o fim de um longo relacionamento com Carlo, seu colega de trabalho. Neste percurso de dores e desamores, Alice busca o seu par perfeito, assim como os convidados do seu programa, mas é quando um novo chefe chega para trabalhar na emissora que a vida de Alice se transforma e vira de cabeça pra baixo. Eu amei as cores, os cenários, os lookinhos dos atores e me apaixonei pelo jeitinho destrambelhado da protagonista. Recentemente, chegou a 2ª temporada na Netflix e é claro que eu já maratonei também. Só te digo uma coisa: é o tipo de série que a gente assiste naquele fim-de-semana cheio de preguiça e com muita pipoca e chocolate. Vai sem medo!
[Ouvi enquanto escrevia]:
Eu sou muito fã, aliás, sou uma super fã de Emicida e devo ter a discografia quase toda dele na minha playlist (sim, eu tenho uma playlist imensa que vou colocando tudo o que eu gosto de ouvir e passo o dia inteiro ouvindo porque ela tem mais de 60 horas de música. Outro dia eu falarei mais sobre minha playlist eclética que tem de tudo muito junto e misturado).
E no fim-de-semana passado teve o Lollapalooza, né? Eu não fui, mas inspirada pelo show dele no Lolla, eu passei a semana assistindo ao show, vendo outros vídeos, clipes e encontrei essa versão linda de “São Pixinguinha” que ele gravou no canal da Colors Studios.
Este projeto apresenta artistas incríveis, de todo lugar do mundo e eu amo deixar rolando no Youtube para conhecer novos nomes da música: “Todas as CORES, sem gêneros. COLORS é uma plataforma de música estética única com artistas diversos e excepcionais de todo o mundo”.
[Um trecho]:
“Gostaria de poder falar, mas temo ser necessária uma traqueostomia. Preciso fechar a janela. Tem um monte de coisa perigosa lá fora, mas o que vai me matar é o calo na prega vocal feito dos silêncios que guardei na garganta”. pág 68
Do livro: No útero não existe gravidade - Dia Nobre
[Sobre o podcast]:
Essa semana saiu mais um episódio do podcast Ensaiando Palavras:
E nele, eu falei sobre a fase na maternidade em que o nosso filho entra na quase-adolescência. São tantas experiências novas, diferentes do que a gente está acostumada a lidar, que a gente se sente um pouco confusa, achando que desaprendeu tudo o que levou anos para aprender.
"Eu tô buscando me redescobrir agora: qual é a mãe que eu estou sendo, que eu quero ser e que eu posso ser, com esse quase-adolescente? E depois? Quem nos tornaremos depois? (...)”
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Ano 1 - (Abril/2022)
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